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26 de Abril de 2024

Juíza do TRT da 20ª Região condena empresa de vigilância em indenização por danos morais em decorrência de condições de trabalho degradantes

há 9 anos

Afirmando que o magistrado deve se colocar no lugar do empregado para verificar se a situação se encontra dentro dos limites da razoabilidade, Juíza entende ser inadmissível que os vigilantes de carro-forte tenham que fazer suas necessidades fisiológicas e refeições no interior dos veículos.

Vigilante era obrigado a efetuar suas refeições e necessidades fisiológicas no interior do carro-forte

Um vigilante de carro-forte moveu ação indenizatória em face da empresa de vigilância PROSEGUR Brasil S/A, informando que as atribuições da equipe do carro-forte consistem em recolher e transportar valores, e que em decorrência do grande número de paradas diárias previstas, bem como da impossibilidade de parada do carro-forte fora do itinerário, era privado de intervalo intrajornada, tendo que proceder às suas refeições no interior do mesmo, com o veículo em movimento. Afirmou também, que, pelos mesmos motivos, para atender suas necessidades fisiológicas era obrigado a fazer suas necessidades básicas no interior do veículo, utilizando-se de garrafas, sacos plásticos ou malotes vazios.

Pelos fatos narrados, asseverando a existência de condições e ambiente de trabalho degradantes, fundado na ofensa à dignidade do trabalhador e da pessoa humana, postulou o vigilante a condenação da empresa a uma indenização por danos morais.

A empresa, por seu turno, negou o cometimento de qualquer conduta ilegal e indevida, afirmando que entre uma parada e outra seus empregados poderiam fazer suas necessidades fisiológicas naquele ponto onde estava sendo efetuada a coleta ou a entrega, ou seja, que após a conclusão de uma operação (coleta ou entrega de numerário) poderiam utilizar o banheiro existente no local, sem qualquer restrição.

Aduziu ainda, que a realização de refeições no interior dos carros acontece apenas esporadicamente quando estes estão em viagem. Afirmando, contudo, que as mesmas são realizadas com os veículos parados, nunca em movimento.

Além disso, destacou a empresa que os procedimentos de segurança adotados visam também a preservação da vida de seu colaboradores, os quais, em virtude da atividade econômica desenvolvida pela empregadora, qual seja, transporte e recolhimento de valores, podem ser alvo de ação criminosa.

Desrespeito à dignidade do trabalhador

Diante do conjunto probatório, a Juíza Titular da 5ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, Dra. Eleusa Maria do Valle Passos, entendeu restar demonstrado nos autos que os procedimentos de segurança e as orientações da empresa inviabilizavam, muitas vezes, o direito dos empregados de utilização de sanitários.

Ademais, segunda a Magistrada, ficou cabalmente provado que durante os trajetos do carro-forte não poderia ser efetuada nenhuma parada, ainda que algum membro da equipe necessitasse fazer suas necessidades fisiológicas, tendo este que utilizar-se de garrafas PET's e sacolas plásticas para tanto.

No tocante a alegação da empresa de inexigibilidade de conduta adversa em decorrência da atividade de risco desenvolvida pela mesma, pronunciou:

Entendo que, em que pese a atividade de risco desenvolvida pela empresa, o magistrado deve se colocar no lugar do empregado para verificar se aquela situação se encontra dentro dos limites da razoabilidade, o que não entendo demonstrado in casu.

A meu ver, não é admissível que um empregado, tenha que se submeter, por um procedimento de segurança, a situação em que, dentro de um pequeno compartimento, seja visto pelos demais colegas fazendo suas necessidades fisiológicas nos recipiente já apontados. Da mesma forma, entendo que os demais empregados, colegas de equipe, não devem estar sujeito a presenciar tal ocorrência.

Tal conduta da demandada revela sua maior preocupação com sua proteção patrimonial em detrimento da higiene e saúde dos trabalhadores, em claro, desrespeito à dignidade do trabalhador.

Além disso, a Juíza também entendeu que restou provado que os empregados muitas vezes eram obrigados a fazer suas refeições dentro carro-forte, sendo tolhidos de um intervalo fundamental para o descanso e recuperação das forças despendidas ao longo da jornada de trabalho. O que, segunda a mesma, se configura como patente violação à higidez física e mental pela empresa.

Afirmando que ao juiz cabe a coibição de condutas que ofendam os direitos do trabalhador, sobremodo quanto estes dizem respeito às garantias mais básicas, a Magistrada entendeu que no caso a relativização dos direitos do empregado, em observância à atividade da empresa, não seria outra coisa senão um retrocesso.

Precedentes jurisprudenciais

Ao fundamentar a sua decisão a Juíza do TRT da 20ª Região atentou para alguns julgados em casos semelhantes, destacando-se decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região que afirmou que por mais valioso que sejam os bens transportados pelos carros fortes, não podem os seus transportadores e vigilantes receberem tratamento desumano e degradante.

VIGILANTE E TRANSPORTADOR DE VALORES - CARRO FORTE - comando empresarial referente A formas de alimentação de realização de necessidades fisiológicas - MATERIALISMO DO MUNDO MODERNO E CENTRALIDADE DA PESSOA HUMANA - CARACTERIZAÇÃO DO dano moral - A economia influência o direito, mas este não pode fazer concessões ao capital, sempre e sempre vinculado ao mercado, em detrimento dos valores éticos e morais da pessoa humana, cuja dignidade tem de ser respeitada, porque a pessoa humana é o valor-fonte de todos os valores sobre os quais se erigem as relações sociais e o direito. Por mais valioso que sejam os bens transportados pelos carros fortes, não podem os seus transportadores e vigilantes receber tratamento desumano e degradante, relacionados com o alimentação e a realização de suas necessidades fisiológicas que, por determinação da empresa, ocorriam no interior do veículo. Finalisticamente falando, todos os bens têm um preço ou uma dignidade: coisas ou pessoas humanas. Daí a necessidade de harmonização, razoabilidade e ponderação entre o lucro e trabalhador, não se podendo admitir que, em nome daquele, tudo se possa fazer, a ponto de coisificar a pessoa humana. A Constituição Federal albergou, intensa e extensamente, intrínseca e extrínsecamente, o princípio fundamental, com feição normativa, em torno da dignidade da pessoa humana, foco, núcleo e centralidade para onde deve convergir a hermenêutica trabalhista. Essa centralidade da pessoa humana mostra-se acolchoada por um manto de subjetividade e/ou abstratividade valorativa, que perpassa o Direito do Trabalho, que disciplina uma relação jurídica que tem, necessariamente, em um de seus pólos a pessoa humana do trabalhador em face da empresa, detentora do capital e dos meios de produção de bens e serviços. Desse modo, qualquer ato antijurídico, cujo resultado assemelhe o empregado à objeto-coisa, renegando o princípio da dignidade humana, é passível de recomposição que, embora jamais possa ser vista como uma reparação ou uma indenização, conforme alude a própria Constituição, assim se converterá, dada a impossibilidade de retornar-se ao status quo ante. Assim, a "indenização" por dano moral decorrente do contrato de trabalho pressupõe a prática de ato ilícito ou de erro de conduta da empregadora ou de preposto seu, o nexo de causalidade entre a conduta antijurídica e o dano experimentado, que se caracteriza in re ipsa, vale dizer, por intermédio do próprio evento, da ofensa, em si e só por si, perpetrada à dignidade da pessoa humana. (TRT-3 - RO: 00342201300703000 0000342-30.2013.5.03.0007, Relator: Luiz Otavio Linhares Renault, Primeira Turma, Data de Publicação: 12/09/2014 11/09/2014. DEJT/TRT3/Cad. Jud. Página 39. Boletim: Sim.)

Indenização por dano moral

A Magistrada entendeu que em casos desta natureza ocorre o chamado dano moral in re ipsa, ou seja, provado o fato ofensivo e o nexo de causalidade, presume-se a ocorrência da lesão imaterial.

Segundo ela, a responsabilidade do empregador, de regra, é subjetiva, consoante art. 7º, XXVIII, da CF/88 e, nesse caso, depende da demonstração da conduta indevida, do dano e do nexo de causalidade, o que entendeu ter ocorrido a contento. No caso em questão

Neste contexto, afirmou que as condutas descritas configuram prática de ato abusivo por parte da empregadora, que deve ser reparada na forma do art. 927 do CC/02.

Sendo assim, concluiu o julgado pela procedência do pedido de indenização por danos morais, a qual, considerando a gravidade da conduta, a condição pessoal do empregado, a repercussão da ofensa, a capacidade financeira da empresa, e o caráter punitivo e pedagógico da medida, apta a impedir a ocorrência e continuidade de casos semelhantes, arbitrou, com base no art. 944 do CC/02, no montante de R$ 20.000,00.

Processo eletrônico número 0000379-55.2014.5.20.0005

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